terça-feira, 4 de novembro de 2025

PERGUNTA: Averbações de arresto e penhora impedem o registro de escritura de doação no cartório de registro de imóveis?

RESPOSTA: As constrições efetivadas na matrícula do imóvel referentes a averbações de arresto e penhora não impedem o ingresso da escritura de doação no fólio real.

Entende-se que eventual discussão sobre a ocorrência de fraude contra credores ou à execução deve se dar na via judicial adequada, além do que as constrições de arresto e penhora permaneceriam averbadas apesar do registro da doação.

As restrições em questão unicamente sujeitam o imóvel à satisfação de um crédito, mas não tornam o imóvel indisponível, fora do comércio. 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

Fusão de Matrículas - requisitos

 

A unificação de imóveis consiste na formação de um novo imóvel resultante da união de dois ou mais imóveis contíguos (que representam uma continuidade geométrica), com matrículas e/ou transcrições autônomas, pertencentes ao mesmo proprietário, conforme dispõe o artigo 234 da Lei n. 6.015/1973:

 

Art. 234 - Quando dois ou mais imóveis contíguos pertencentes ao mesmo proprietário, constarem de matrículas autônomas, pode ele requerer a fusão destas em uma só, de novo número, encerrando-se as primitivas.

 

AFRÂNIO DE CARVALHO adverte que: 

 

"Como a matrícula é que exprime individualidade ao imóvel, dois ou mais imóveis confinantes que pertençam ao mesmo proprietário podem reunir-se em um só, sob nova matrícula, ou se conservarem autônomos, sob as respectivas matrículas, conforme preferir o titular.

Se preferir a união dos imóveis, chamada na lei fusão de matrículas, esta será representada por nova matrícula, encerrando-se as primitivas, em cada uma das quais se fará a averbação da matrícula que as unificar (art. 134)."(CARVALHO, Afrânio de. Registro de imóveis. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 145) [sem grifos o original].

 

ALEXANDRE LAIZO CLÁPIS, ao comentar o artigo supracitado, alerta:

 

Na prática registrária é muito importante que o interessado na fusão de imóveis apresente um requerimento circunstanciado, firmado pelo proprietário e com firma reconhecida (LRP, art. 221), em que conste de forma clara e didática o cumprimento dos requisitos legais.

Deve constar nesse requerimento um memorial descritivo que contemple os imóveis individualmente, - cuja ausência não justifica a recusa e respectiva devolução, uma vez que esses elementos estão nas matrículas que integram o acervo da Serventia Predial -, mas necessariamente deverá descrever o imóvel que resultará após a fusão das matrículas. [...] O oficial registrador deve fazer rigorosa conferência dessas medidas, pois servirão de base para a abertura da nova matrícula. Isso tudo em atenção ao princípio da especialidade objetiva. Evidentemente, as novas medidas devem sempre estar pautadas naquelas constantes do título aquisitivo e das matrículas primitivas.  (Lei de Registros Públicos Comentada - Lei 6.015/1973, Rio de Janeiro: Forense, p. 1212/1213)

 

Em outros termos, para a fusão de matrículas faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) unidade geodésico-jurídica  e contiguidade dos imóveis; (b) identidade de proprietários e (c) impossibilidade de que a fusão redunde em confusão no registro de imóveis.

Assim, a fusão depende de requerimento firmado pelo proprietário tabular (princípio da rogação), devidamente acompanhado de planta e memorial descritivo da área unificada e de documentos eventualmente necessários para demonstrar a regularidade do ato pretendido, sendo recomendável prova da autorização da unificação pela Prefeitura Municipal.

 

No aspecto da qualificação registral, cabe ao Oficial Registrador proceder à verificação da regularidade do ato pretendido em todos os seus aspectos, conferindo a presença dos titulares de direitos reais com legitimidade, à vista do conteúdo do fólio real, e que deverão anuir com a mutação dos imóveis das matrículas atingidas, e averiguando a observância do princípio da especialidade e requisitos de confrontação.

 

Não é por outra razão que determinam as Normas de Serviço dos Cartórios Extrajudiciais da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo:

 

No caso de fusão de matrículas, deverá ser adotada rigorosa cautela na verificação da área, medidas, características e confrontações do imóvel que dela poderá resultar, a fim de se evitarem, a tal pretexto, retificações sem o devido procedimento legal, ou efeitos só alcançáveis mediante processo de usucapião. (item 75 do Cap. XX do Tomo II)

 

 

Neste sentido, o r. Parecer da lavra do então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Doutor Francisco Eduardo Loureiro, hoje Corregedor Geral, Desembargador, nos autos do processo CG n. 1241/96, em que aprofundou o exame da mitigação da especialidade:

 

Não se nega, portanto, a possibilidade de ser descerrada matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de medidas perimetrais e da área de superfície. O que não se admite é a criação de nova unidade imobiliária contendo descrição perfeita, por fusão de matrículas, quando um dos imóveis unificandos não dispõe de todas as medidas tabulares. Em termos diversos, imóvel com figura imprecisa não pode gerar, por fusão ou desmembramento, nova unidade com figura e descrição precisas.

 

E ainda:

 

REGISTRO DE IMÓVEIS. Unificação de imóveis e fusão de matrículas. Necessidade de retificação das áreas. Ausência de segurança quanto à descrição qualitativa dos imóveis. Recurso desprovido. (CGJSP - Recurso  Administrativo: 1004790-40.2019.8.26.0100; Data de Julgamento: 22/07/2019; Data DJ: 30/07/2019; Relator: Geraldo Francisco Pinheiro Franco)

 

Pelo princípio da legitimação (eficácia do registro), os vícios reconhecíveis neste âmbito são apenas aqueles comprováveis de pleno direito, que resultem de erros evidentes extrínsecos ao título, sem necessidade de exame de outros documentos ou fatos.

Conforme ensina NARCISO ORLANDI NETO:

 

A nulidade que pode ser declarada diretamente, independentemente de ação, é de direito formal, extrínseca. Para Afrânio de Carvalho, a indagação da nulidade do registro deve ficar restrita aos "defeitos formais do assento, ligados à inobservância de formalidades essenciais da inscrição". Insiste-se: ela não alcança o título, que subsiste íntegro e, em muitos casos, apto a, novamente, ingressar no registro. O elenco de nulidades absolutas de que pode padecer o registro tem a mesma dimensão dos requisitos que presidem sua elaboração." (Neto, Narciso Orlandi. Registro de Imóveis).

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

PARTILHA EM INVENTÁRIO JUDICIAL COM QUINHÕES DESIGUAIS - INCIDÊNCIA DO ITCMD - NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DO IMPOSTO.

 

Imagine uma situação em que quatro são os herdeiros e que o total do patrimônio inventariado corresponde a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

Nesse cenário o quinhão hereditário de cada herdeiro corresponde a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Ocorre que na partilha houve distribuição desigual dos bens e à herdeira “A” coube, com exclusividade, um imóvel no valor de R$ 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil reais), o que superou o montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) da cota que lhe seria devida por herança sem reposição pecuniária aos demais herdeiros (R$ 20.000,00 para cada um dos três).

Observa-se que a herdeira “A” foi beneficiada com cota superior à que lhe seria devida na herança e não houve reposição pecuniária aos demais herdeiros, o que atrai a incidência do imposto de transmissão por doação (ITCMD).

Um formal de partilha nos moldes acima delineados que fosse levado a registro receberia qualificação negativa do oficial registrador, porquanto ausente comprovação do recolhimento do imposto de transmissão por doação ITCMD devido pela parte que a herdeira recebeu acima do seu quinhão hereditário, qual seja, R$ 60.000,00 (sessenta mil reais, isso porque para os Registradores vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto de transmissão, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo 30, inciso XI, da Lei 8.935/1994).

No caso acima há dupla incidência do ITCM, uma em virtude da transmissão dos bens em razão da morte e a outra em razão da transmissão por doação.

Em outros termos, o ITCMD recolhido teve como fato gerador a transmissão por sucessão legítima de todo o patrimônio do espólio aos herdeiros, mas o negócio jurídico avençado entre os herdeiros na partilha diferenciada, relativo à cessão gratuita à herdeira “A” da parte que superou o quinhão hereditário que naturalmente lhe caberia por herança, sem reposição pecuniária ou compensação financeira aos demais herdeiros, configura fato gerador do imposto de transmissão por doação ITCMD, o qual não foi declarado ou recolhido à Fazenda Pública.

Assim, para que o título (formal de partilha) seja registrado, a parte interessada deverá providenciar a declaração do imposto de transmissão por doação ITCMD e respectivo comprovante de pagamento do ITCMD em relação esta operação, ou declaração de isenção (artigo 289 da Lei n. 6.015/73).



ESCRITURA PÚBLICA DE DOAÇÃO - MORTE DO DOADOR - REGISTRO POSTERIOR. CONTINUIDADE. ARRESTO. PENHORA. INDISPONIBILIDADE DE BENS.

  

Registro de imóveis - Dúvida - Escritura pública de doação de imóvel lavrada há mais de trinta anos - Pretensão ao ingresso do título no fólio real após o falecimento da doadora, averbado na matrícula - Simples notícia do óbito não afeta o princípio da continuidade, pois não afeta a cadeia dominial - Existência de constrições judiciais consistentes de arresto e penhora não são impeditivas de alienação voluntária do imóvel, mas que não podem ser canceladas sem ordem específica - Indisponibilidade decretada em processo de falência, porém, impede eventual registro do título no fólio real -  Apelação desprovida.

 

ACÓRDÃO

São Paulo, 25 de outubro de 2024.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça Relator

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002383-57.2024.8.26.0659

Apelante: Arnaldo Bonifácio Junior
Apelado:
 Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Vinhedo

VOTO Nº 43.606

 

Trata-se de recurso de apelação (fls. 111/137) interposto por ARNALDO BONIFÁCIO JUNIOR contra a r. sentença (fls. 102/103) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Vinhedo/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve o óbice registrário.

O apelante alega, em síntese, que as exigências devem ser afastadas porque:

(i) a morte da doadora após a lavratura da escritura pública de doação do imóvel ao seu filho não impede que seja registrada na matrícula do imóvel, por se tratar de ato jurídico perfeito que preenchia todos os requisitos exigidos à época de sua lavratura;

(ii) em relação às constrições judiciais (arresto e penhora) as partes quedaram-se inertes após intimadas para manifestar interesse no imóvel, o que levou à preclusão; e

(iii) quanto à arrecadação do imóvel levada a efeito na falência da empresa ALBERT CASAMAYOR ARTEFATOS DE MADEIRA LTDA., afirma que o síndico requereu a extinção da falência, pois reputa a mesma frustrada, haja vista que o débito dos imóveis são superiores ao seu valor de mercado, o que, no seu entender afastaria a exigência.

 

Requer, então, a reforma da sentença, para determinar ao Oficial a adoção de providências quanto ao registro da escritura pública de doação, lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital, referente a matrícula sob nº 18.132 desta serventia (fls. 08/11 e 37/38), para dar sequência no andamento da ação de adjudicação compulsória que move em face da doadora, do donatário e seus herdeiros (fl. 50).

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 157/159).

É o relatório. Decido.

 

No caso concreto, o título cujo registro se pretende é a Escritura Pública de Doação de fls. 08/11, refiticada a fls. 37/38, lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital em 01/03/1993, referente à doação do imóvel de matrícula nº 18.132 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Vinhedo /SP feita por Encarnacion Casamayor Elies de Garcia a seu filho, Alberto Garcia Casamayor.

Todavia, a doadora faleceu em 1999 sem que a referida escritura tenha sido levada a registro, e seu óbito foi averbado na matrícula do imóvel, como se verifica da certidão de fls. 166/168.

 

O recorrente, Arnaldo Bonifácio Júnior, afirma que, em 29/05/2015, recebeu o imóvel objeto da Dúvida do donatário, Alberto Garcia Casamayor, por meio de instrumento particular de confissão de dívida e dação em pagamento de dívidas trabalhistas.

 

Em 01/09/2015, Alberto Garcia Casamayor faleceu e, em 06/06/2023, o recorrente distribuiu ação de adjudicação compulsória em face de Encarnacion Casamayor Elies de Garcia, Alberto Garcia Casamayor e suas sucessoras, Julia Santos Casamayor, Daisy Gomes Casamayor Lavezzo e Priscylla Gomes Casamayor, que tramita perante a 3ª Vara Judicial da Comarca de Vinhedo/SP, sob o nº 1001721-30.2023.8.26.0659.

 

Ocorre que, em dezembro de 2023, o MM. Magistrado que preside a referida ação de adjudicação exarou decisão (copiada às fls. 50), determinando que o ora recorrente providenciasse o registro da escritura pública de doação, lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital, referente à matrícula sob nº 18.132, a fim de observar o princípio da continuidade registral.

Em cumprimento à determinação, em 06/06/2024, o recorrente apresentou a registro a escritura de doação, sobrevindo a qualificação negativa do título por meio da Nota Devolutiva de nº 35.980 (fls. 164/165), de 20/06/2024, nos seguintes termos:

 

"Trata-se da apresentação para registro a certidão expedida aos 14/03/2023 extraída da escritura pública de doação lavrada pelo 24º Tabelião de Notas de São Paulo, livro 3.174, fls. 139, referente a matrícula sob nº 18.132 desta serventia (Lote 31 da Quadra 48 do Condomínio Estância Marambaia), que fica adiado pelos seguintes motivos:

- Reitero integralmente a nota de devolução nº 35.171, feita em 23/04/2024, que diz:

Foi a referida escritura pública avaliada por esta serventia no protocolo nº 79.652, em 19/02/2024, sendo que nessa ocasião foi apresenta (sic) a mesma certidão da escritura da doação, ficando impossibilitado o registro devido ao princípio da continuidade e disponibilidade registral, uma vez que  consta  na matrícula na av.5 o óbito da proprietária ENCARNACION CASAMAYOR ELIES DE GARCIA, e considerando que com a morte da proprietária seu patrimônio se transfere aos herdeiros, bem como considerando que a propriedade só é transmitida mediante o registro do título aquisitivo no Registro de Imóveis competente, nos moldes do artigo 1.245 do Código Civil Brasileiro, ficamos impossibilitados do registro da escritura pública de doação .

SE NÃO FOSSE O ÓBICE ACIMA:

1. Reitero o item 2 da nota de devolução, que diz: "em análise a matrícula nº 18.132 desta serventia foi possível constatar que existem constrições, devidamente averbadas sob nº 2 (arresto) e 6 (penhora).

Desta forma, para o registro da escritura pública apresentada, necessário que seja apresentada ordem judicial de cancelamento das constrições acima mencionadas, emitidas pelo Juízo competente, nos moldes dos artigos 250, inciso I e 259 da Lei nº 6.015/73".

OU alternativamente, poderá ser apresentada declaração subscrita pelo donatário ALBERTO GARCIA CASAMAYOR, com a respectiva firma reconhecida, declarando ciência com relação ao arresto e penhora averbados na matrícula do imóvel.

2. Reitero item 3, que diz: ainda em análise a matrícula nº 18.132 desta serventia foi possível verificar a existência de averbação de arrecadação do imóvel, em processo falimentar (Av.8), o que torna indisponível o bem, o que obsta atos de transmissão e oneração do imóvel.

Desta forma, para a prática do ato desejado (doação), necessário que seja apresentado ordem judicial de cancelamento da arrecadação averbada sob n 8 na Matrícula nº 18.132, proferida pelo Juízo competente, devidamente transitada em julgado, nos moldes dos artigos 250, inciso I e 259 da Lei nº 6.015/73.

3. Para a averbação do seu título deve ser feito o complemento de depósito de emolumentos no valor de R$ 3.190,93, quando do  atendimento de todas as exigências e documentos acima indicados, ou seja, quando da reentrada do seu título nessa serventia.

Observação: foi apresentado requerimento de dúvida registral, porém, com informações relativas a nota de devolução envolvendo também outra escritura de outro imóvel, motivo pelo qual, caso a solicitação se refira a este título (escritura pública de doação lavrada pelo 24º Tabelião de Notas de São Paulo, livro 3.174, fls. 139, referente a matrícula sob nº 18.132 desta serventia (Lote 31 da Quadra 48 do Condomínio Estância Marambaia), objeto desta prenotação, corrigir a solicitação onde cabível, fazendo referência a esta escritura e este protocolo. Atentar que a referida solicitação deve ser apresentada dentro do prazo de vigência desta prenotação (04/07/2024).

Observação: consta ordem de indisponibilidade em nome de Alberto Garcia Casamayor."

 

Após a manifestação de fls. 16/35, a Oficial suscitou a Dúvida de fls. 01/06, que foi julgada procedente pela sentença ora recorrida.

O recurso não comporta provimento.

 

Como mencionado, a escritura de doação do imóvel tratado nos autos não foi levada a registro à época de sua lavratura (1993), mas apenas em 2024, quando já averbada na matrícula do imóvel a morte da doadora, Encarnacion Casamayor Elies de Garcia (AV.5 - fls. 166).

 

O primeiro óbice post pelo registrador, de violação ao princípio da continuidade não se sustenta.

Não há dúvida que a escritura pública de doação não foi levada oportunamente ao registro imobiliário, de natureza constitutiva da transmissão da propriedade.

Não se discute, mais, que a morte acarreta a abertura da sucessão, com a transmissão da herança, desde logo, aos herdeiros, sendo o processo de inventário apenas o meio pelo qual se dá a partilha dos bens, conforme dispõe o artigo 1.784 do Código Civil, consagrando o princípio da saisine.

Sucede que a só averbação da morte da doadora na matrícula do imóvel, por si só, não afeta o princípio da continuidade. Isso porque o imóvel continua registrado em nome da doadora.

A continuidade não é violada com a só notícia da morte da titular do domínio. Embora a propriedade se transmita ex lege com a morte, por força do princípio da saisine, o que ingressará no registro será o formal de partilha ou a carta de adjudicação conferindo o imóvel a um dos herdeiros.

Disso decorre que, sob tal ângulo, absolutamente nada impede o ingresso no registro imobiliário do contrato de doação celebrado em vida pela autora da herança.

A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público" (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 253).

 

Está claro, pela lição acima, que a continuidade nada mais é do que o encadeamento dos registros, não afetados pelo fato jurídico da morte antes da partilha ingressar no fólio real.

Também não tem pertinência a exigência de cancelamento das ordens de arresto e de penhora averbadas na matrícula do imóvel ou, alternativamente, de apresentação de declaração de ciência a seu respeito, subscrita pelo donatário.

A razão disso é simples e não exige maior tirocínio.

As constrições efetivadas na matrícula do imóvel referentes às averbações de nº 2 (arresto) e 6 (penhora) não impedem o ingresso da escritura de doação no fólio real, já que eventual debate sobre fraude contra credores ou à execução se daria na via judicial adequada, além do que elas permaneceriam averbadas apesar do registro da doação .

Dizendo de outro modo, as constrições não tem o efeito de indisponibilidade, mas tão somente sujeitam o imóvel à satisfação de um crédito.

Um único óbice impede o registro A averbação de nº 8, efetivada à vista da arrecadação do imóvel nos autos de ação falimentar é incompatível com o ingresso do contrato de doação no fólio real.

Embora o recorrente afirme que o administrador da Massa Falida requereu a extinção da Falência (fls. 133), apenas mediante ordem de cancelamento da indisponibilidade oriunda do juízo em que determinada é que o óbice poderia ser afastado. Não se admite a revisão na esfera administrativa, para o fim de cancelamento da ordem de indisponibilidade, haja vista a impossibilidade da sobreposição do juízo administrativo em relação ao jurisdicional.

Sobre as ordens de indisponibilidade, a matéria é regulada pelo item 413, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, que dispõe:

 

"413. As indisponibilidades averbadas nos termos do Provimento CG. 13/2012 CNJ nº 39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991,  não impedem a inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o registro da alienação judicial do imóvel."

 

Na hipótese vertente, não se está diante de alienação judicial do imóvel, mas de doação, que configura ato voluntário de disposição do bem, de sorte que a indisponibilidade impede o registro da escritura pública de doação .

Destacam-se os seguintes precedentes em sentido semelhante:

 

"Registro de imóveis - Dúvida - Carta de sentença extraída de ação de adjudicação compulsória - Indisponibilidade judicialmente decretada sobre o patrimônio da vendedora - Óbice existente ao tempo da prenotação - Irrelevância, neste caso, da data da celebração do negócio jurídico - Inaplicabilidade, no caso, das regras que permitem a inscrição de atos coativos - Compromisso de compra e venda que configura alienação voluntária - Óbice mantido - Apelação a que se nega provimento" (Apelação Cível nº 1008790-78.2022.8.26.0100; CSM; Relator: Desembargador Fernando Antônio Torres Garcia; Data do julgamento: 12/12/2022).

 

"Registro de imóveis. Procedimento de dúvida. Mandado judicial para registro de transferência de imóvel. Indisponibilidade judicialmente decretada sobre o patrimônio da vendedora. Óbice existente ao tempo da prenotação. Irrelevância, no caso concreto da data da celebração do negócio jurídico, em razão da ausência de expresso reconhecimento e determinação judicial da precedência jurídica do negócio preliminar. Inaplicabilidade das regras que permitem a inscrição de atos coativos. Negócio jurídico que configura alienação voluntária. Fato gerador de ITBI. Óbice mantido. Apelação a que se nega provimento" (Apelação Cível nº 1006283-76.2024.8.26.0100; CSM; Relator: Desembargador Francisco Loureiro; Data do julgamento: 25/07/2024.

 

Assim, é de rigor a manutenção da procedência da dúvida, apesar de afastadas duas das exigências formuladas pelo Oficial.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça Relator

Assinatura Eletrônica

 

CSMSP - Apelação Cível: 1002383-57.2024.8.26.0659

Localidade: Vinhedo Data de Julgamento: 25/10/2024 Data DJ: 08/11/2024

Relator: Francisco Loureiro

Jurisprudência: Indefinido
Lei: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 250 INC: I

Lei: LRP - Lei de Registros Públicos - 6.015/1973 ART: 259

Lei: CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002 ART: 1.245

Lei: CC2002 - Código Civil de 2002 - 10.406/2002 ART: 1.784

Lei: LOSS - Lei Orgânica da Seguridade Social - 8.212/1991 ART: 53 PAR: 1

Especialidades: Registro de Imóveis

 

Fonte: 26 Tabelionato de Notas

Um conceito de inventário

 

Publica-se aqui um breve e substancioso conceito de inventário da lavra do magistrado Orlando de Souza, extraído de sua obra “Inventários e Partilhas” (11 edição, 1984):

 

Em sentido lato, inventário (do latim inventarium, de invenire) define-se como a relação e descrição de bens pertencentes a qualquer pessoa; ou, conforme De Plácido e Silva, como a série de atos praticados com o objetivo de apurar-se a situação econômica de uma pessoa ou de uma instituição, pelo relacionamento de todos os seus bens e direitos, ao lado de um rol de todas as obrigações ou encargos.

De modo particular e específico, pode-se conceituar o inventário como a descrição, enumeração e avaliação de bens imóveis ou móveis, semoventes, joias, dinheiro, títulos de dívida, direitos e ações, quaisquer que sejam os bens que ficaram do defunto a seus herdeiros.

No inventário se descrevem, com individuação e clareza, todos os bens pertencentes à herança, bem como os alheios nela encontrados.

Aberta a sucessão [com a morte do autor da herança], o domínio e a posse da herança se transferem automaticamente aos herdeiros; estabelecendo-se um estado de comunhão entre os herdeiros, mancomunhão, que só poderá desaparecer com o inventário e consequente partilha; porque, desde o momento em que se dá a transmissão da herança tem início uma fase de duração indeterminada, que é da indivisibilidade da herança, durante a qual todos os herdeiros têm o domínio e posse da herança, vale dizer, dos bens do falecido – imóveis, móveis, e quaisquer outros. Justamente para por fim à indivisibilidade é que há o inventário.

Resume-se, pois, que o processo de inventário é justamente o procedimento ao longo do qual são apurados os bens da herança, que são partilhados entre os herdeiros, depois de pagos os credores e satisfeitos os encargos fiscais.

Imprescindíveis, pois, o inventário e a partilha, que, como demonstra Itabaiana de Oliveira, individualizam o direito de domínio, desembaraçam as transações de ordem civil, impedem as discórdias e dificultam os litígios.




Princípio da continuidade

 

O princípio da continuidade significa que os registros necessariamente seguem um encadeamento subjetivo.

Exemplifica o magistrado Narciso Orlandi Neto:


Para se impor um ônus ao direito de propriedade de Paulo, é preciso que esse direito conste do registro como de Paulo. A hipoteca constituída por João sobre determinado imóvel só será registrada se constar do registro que João é proprietário do imóvel. A cessão dos direitos de compromisso de compra e venda só poderá ser registrada se o cedente for aquele que figura no registro como promitente comprador. A venda feita por Pedro a José não será registrada se o imóvel, objeto do negócio, estiver registrado em nome de Antônio.

Por essa razão, “o oficial, recebendo um título a registro, pede a prova do título anterior, devidamente transcrito. Examina, então, se o transmitente é o proprietário, e se as enunciações do último registo conferem com as do registrando. Impugnará, no caso de qualquer desconformidade substancial”. (Serpa Lopes, Tratado dos Registros Públicos, vol. I).

Logo, o registro somente será possível se houver observância do princípio da continuidade, o qual é assim definido por Afrânio de Carvalho (Registro de Imóveis, p. 254):


O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente

 Em outros termos, o título deve estar em conformidade com o inscrito no registro.

Justamente pela falta de identificação do título apresentado com o conteúdo da matrícula é que receberá qualificação negativa pelo oficial de registro.

O princípio da continuidade registraria está previsto nos artigos 195 e 237 da Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos):

 

Art. 195 Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. (...)

 

Art. 237 Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro."

        Philadelpho de Azevedo (O valor da transcrição, 1942, p. 54) dizia que faltava um elemento básico, sem o qual seria impossível obter qualquer melhoria no nosso regime Imobiliário: o princípio da rigorosa continuidade dos títulos de modo a fazer frente “à conclusão do prof. GONDIM FILHO, emitida em 1923, (Rev. de Dir., v. 68, pg. 263), de que em relação ao mesmo prédio podiam ser registrados vários e contraditórios títulos”.

Acrescentou ainda o ilustre autor que “construído rigorosamente como foi, o princípio alcançou, não só a continuidade sem soluções, como a própria unicidade do registro: um imóvel somente pode estar transcrito em nome de um titular”.

Conclui-se com Narciso Orlandi Neto, em sua obra clássica “Registro de Imóveis”:

 

No Registro de Imóveis, a linha filiatória do direito de propriedade e de outros direitos reais imobiliários se assemelha a uma corrente a que não faltam elos. Ela deve ser contínua. Que figura num elo como adquirente passará a ser transmitente no elo seguinte. Explica-se assim por que esse princípio também é conhecido como de trato sucessivo, trato contínuo, da prévia inscrição, da inscrição prévia do prejudicado pelo registro, ou do registro do título anterior. O transmitente do direito deve figurar no registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para os negócios: ‘nemo dat quod non habet’. ‘Sem que desfrute do direito de disponibilidade, ninguém pode transferir o imóvel, tampouco, onerá-lo”. ‘A cadeia registral jamais deverá ser interrompida, salvaguardando infinitamente a preexistência do imóvel objeto do negócio jurídico no patrimônio do transmitente’.

No registro de imóveis, não há saltos no encadeamento dos direitos e ônus reais. Se o transmitente ainda não aparece no Registro, exige o sistema que seja conectado o elo que falta na corrente, isto é, que seu título aquisitivo seja, antes, inscrito.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Alienação de bens de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial, para pagamento de despesas decorrentes da lavratura da escritura de inventário

 

É por meio do inventário que se apuram os haveres da pessoa morta, o patrimônio que deixou, constituído de bens, direitos e obrigações para efetuar a partilha da herança aos sucessores legítimos e testamentários. Inventariar, no sentido jurídico da palavra, significa apurar, arrecadar e nomear bens deixados pelo falecido.

Até bem pouco tempo atrás era possível apenas o inventário judicial, geralmente demorado e custoso.

Como o advento da Lei 11.441/07, também é possível fazer o inventário por escritura pública, se preenchidos os requisitos da lei.

O grande problema, se assim podemos dizer, tanto do inventário judicial como do extrajudicial, em cartório, é o seu alto custo, sobretudo no que diz respeito ao chamado ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis), cuja alíquota, no Estado Paraná, é de 4%, calculada com base no valor total dos bens a serem transmitidos.

Assim, nem sempre os sucessores dispõem de numerário suficiente para custear tais gastos, o que muitas vezes implica na não feitura do inventário, opção que pode acarretar uma série de consequências negativas.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ciente dessa realidade, em 22/04/2022 editou a Resolução 452/2022 [que altera a Resolução n. 35/2007], autorizando que os bancos liberassem valores porventura existentes nas contas do falecido para custear gastos com tributos e emolumentos decorrentes da lavratura de escritura de inventário.

Recentemente, dando um passo à frente, o mesmo CNJ editou a Resolução nº 571, publicada em agosto de 2024, que, entre outros temas, regulamentou a alienação (transferência, como por exemplo, a venda) de bens de acervo hereditário antes da conclusão do inventário, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

Importante destacar que antes desta Resolução, a alienação dos bens do espólio pelo inventariante já era possível, com previsão no artigo 619 do Código de Processo Civil, mas dependia de Alvará Judicial.

Observa-se, portanto, que a nova Resolução do CNJ, além de propiciar o desafogamento do poder judiciário, simplifica a venda de imóveis em inventários extrajudiciais, o que implica em benefício significativo àqueles herdeiros que carecem de recursos.

Mas existem regras:

a) Para alienar bens do espólio, o inventariante precisa de uma autorização, através de escritura pública, com o consentimento unânime dos demais herdeiros.

 b) A alienação dos bens do espólio só pode ser realizada para uma finalidade: o custeio das despesas de transação do inventário e partilha. A escritura deverá vincular o dinheiro obtido com a venda ao custeio das referidas despesas.

c) O inventariante tem o dever de prestar garantia de que, no caso de malversação das verbas obtidas com a alienação, reembolsará o espólio.

    Abaixo, transcrevemos o Art. 11-A da Resolução 35/2007, com redação dada pela Resolução 452/2024:

 

Art. 11-A. O inventariante poderá ser autorizado, através de escritura pública, a alienar móveis e imóveis de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial, observado o seguinte:

I – discriminação das despesas do inventário com o pagamento dos impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos notariais e registrais e outros tributos e despesas devidos pela lavratura da escritura de inventário;

II – vinculação de parte ou todo o preço ao pagamento das despesas discriminadas na forma inciso anterior;

III – não constar indisponibilidade de bens de quaisquer dos herdeiros ou do cônjuge ou convivente sobrevivente;

IV – a menção de que as guias de todos os impostos de transmissão foram apresentadas e o seus respectivos valores;

V – a consignação no texto da escritura dos valores dos emolumentos notariais e registrais estimados e a indicação das serventias extrajudiciais que expedirem os respectivos orçamentos; e

VI – prestação de garantia, real ou fidejussória, pelo inventariante quanto à destinação do produto da venda para o pagamento das despesas discriminadas na forma do inciso I deste artigo.

§ 1º O prazo para o pagamento das despesas do inventário não poderá ser superior a 1 (um) ano a contar da venda do bem, autorizada a estipulação de prazo inferior pelas partes.

§ 2º Cumprida a obrigação do inventariante de pagar as despesas discriminadas, fica extinta a garantia por ele prestada.

§ 3º O bem alienado será relacionado no acervo hereditário para fins de apuração dos emolumentos do inventário, cálculo dos quinhões hereditários, apuração do imposto de transmissão causa mortis, mas não será objeto de partilha, consignando-se a sua venda prévia na escritura do inventário.