Registro de imóveis - Dúvida - Escritura
pública de doação de imóvel lavrada há mais de trinta anos -
Pretensão ao ingresso do título no fólio real após o falecimento da doadora,
averbado na matrícula - Simples notícia do óbito não afeta o princípio da
continuidade, pois não afeta a cadeia dominial - Existência de constrições
judiciais consistentes de arresto e penhora não são impeditivas de alienação
voluntária do imóvel, mas que não podem ser canceladas sem ordem específica -
Indisponibilidade decretada em processo de falência, porém, impede eventual registro
do título no fólio real - Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
São Paulo, 25 de outubro de 2024.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça Relator
Assinatura Eletrônica
APELAÇÃO CÍVEL nº
1002383-57.2024.8.26.0659
Apelante: Arnaldo Bonifácio Junior
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de
Vinhedo
VOTO Nº 43.606
Trata-se
de recurso de apelação (fls. 111/137) interposto por ARNALDO BONIFÁCIO JUNIOR
contra a r. sentença (fls. 102/103) proferida pelo MM. Juiz Corregedor
Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de
Pessoas Jurídicas da Comarca de Vinhedo/SP, que julgou procedente a dúvida
suscitada e manteve o óbice registrário.
O
apelante alega, em síntese, que as exigências devem ser afastadas porque:
(i)
a morte da doadora após a lavratura da escritura pública de doação do
imóvel ao seu filho não impede que seja registrada na matrícula do imóvel, por
se tratar de ato jurídico perfeito que preenchia todos os requisitos exigidos à
época de sua lavratura;
(ii)
em relação às constrições judiciais (arresto e penhora) as partes quedaram-se
inertes após intimadas para manifestar interesse no imóvel, o que levou à
preclusão; e
(iii)
quanto à arrecadação do imóvel levada a efeito na falência da empresa ALBERT
CASAMAYOR ARTEFATOS DE MADEIRA LTDA., afirma que o síndico requereu a extinção
da falência, pois reputa a mesma frustrada, haja vista que o débito dos imóveis
são superiores ao seu valor de mercado, o que, no seu entender afastaria a
exigência.
Requer, então, a reforma da sentença, para
determinar ao Oficial a adoção de providências quanto ao registro da escritura
pública de doação, lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital, referente a
matrícula sob nº 18.132 desta serventia (fls. 08/11 e 37/38), para dar
sequência no andamento da ação de adjudicação compulsória que move em face da
doadora, do donatário e seus herdeiros (fl. 50).
A Douta Procuradoria de Justiça opinou
pelo não provimento do recurso (fls. 157/159).
É o relatório. Decido.
No caso concreto, o título cujo registro
se pretende é a Escritura Pública de Doação de fls. 08/11,
refiticada a fls. 37/38, lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital em
01/03/1993, referente à doação do imóvel de matrícula nº
18.132 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Vinhedo /SP feita
por Encarnacion Casamayor Elies de Garcia a seu filho,
Alberto Garcia Casamayor.
Todavia, a doadora faleceu em 1999 sem que
a referida escritura tenha sido levada a registro, e seu óbito foi averbado na
matrícula do imóvel, como se verifica da certidão de fls. 166/168.
O recorrente, Arnaldo Bonifácio
Júnior, afirma que, em 29/05/2015, recebeu o imóvel objeto da Dúvida do
donatário, Alberto Garcia Casamayor, por meio de instrumento
particular de confissão de dívida e dação em pagamento de dívidas trabalhistas.
Em 01/09/2015, Alberto Garcia Casamayor
faleceu e, em 06/06/2023, o recorrente distribuiu ação de adjudicação
compulsória em face de Encarnacion Casamayor Elies de Garcia, Alberto
Garcia Casamayor e suas sucessoras, Julia Santos Casamayor, Daisy Gomes
Casamayor Lavezzo e Priscylla Gomes Casamayor, que tramita perante a 3ª
Vara Judicial da Comarca de Vinhedo/SP, sob o nº 1001721-30.2023.8.26.0659.
Ocorre que, em dezembro de 2023, o MM.
Magistrado que preside a referida ação de adjudicação exarou decisão (copiada
às fls. 50), determinando que o ora recorrente providenciasse o registro da
escritura pública de doação, lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital,
referente à matrícula sob nº 18.132, a fim de observar o princípio da
continuidade registral.
Em cumprimento à determinação, em
06/06/2024, o recorrente apresentou a registro a escritura de doação,
sobrevindo a qualificação negativa do título por meio da Nota Devolutiva de nº
35.980 (fls. 164/165), de 20/06/2024, nos seguintes termos:
"Trata-se da apresentação
para registro a certidão expedida aos 14/03/2023 extraída da escritura pública de doação lavrada
pelo 24º Tabelião de Notas de São Paulo, livro 3.174, fls. 139, referente a
matrícula sob nº 18.132 desta serventia (Lote 31 da Quadra 48 do Condomínio
Estância Marambaia), que fica adiado pelos seguintes motivos:
- Reitero integralmente a nota de
devolução nº 35.171, feita em 23/04/2024, que diz:
Foi a referida escritura pública avaliada
por esta serventia no protocolo nº 79.652, em 19/02/2024, sendo que nessa
ocasião foi apresenta (sic) a mesma certidão da escritura da doação, ficando
impossibilitado o registro devido ao princípio da continuidade e
disponibilidade registral, uma vez que consta na matrícula na av.5
o óbito da proprietária ENCARNACION CASAMAYOR ELIES DE GARCIA, e considerando
que com a morte da proprietária seu patrimônio se transfere aos herdeiros, bem
como considerando que a propriedade só é transmitida mediante o registro do
título aquisitivo no Registro de Imóveis competente, nos moldes do artigo 1.245
do Código Civil Brasileiro,
ficamos impossibilitados do registro da escritura pública de doação .
SE NÃO FOSSE O ÓBICE ACIMA:
1. Reitero o item 2 da nota de devolução,
que diz: "em análise a matrícula nº 18.132 desta serventia foi possível
constatar que existem constrições, devidamente averbadas sob nº 2 (arresto) e 6
(penhora).
Desta forma, para o registro da escritura pública
apresentada, necessário que seja apresentada ordem judicial de cancelamento das
constrições acima mencionadas, emitidas pelo Juízo competente, nos moldes dos
artigos 250, inciso I e 259 da Lei nº 6.015/73".
OU alternativamente, poderá ser
apresentada declaração subscrita pelo donatário ALBERTO GARCIA CASAMAYOR, com a
respectiva firma reconhecida, declarando ciência com relação ao arresto e
penhora averbados na matrícula do imóvel.
2. Reitero item 3, que diz: ainda em
análise a matrícula nº 18.132 desta serventia foi possível verificar a
existência de averbação de arrecadação do imóvel, em processo falimentar
(Av.8), o que torna indisponível o bem, o que obsta atos de transmissão e
oneração do imóvel.
Desta forma, para a prática do ato desejado
(doação), necessário que seja apresentado ordem judicial de cancelamento da
arrecadação averbada sob n 8 na Matrícula nº 18.132, proferida pelo Juízo
competente, devidamente transitada em julgado, nos moldes dos artigos 250,
inciso I e 259 da Lei nº 6.015/73.
3. Para a averbação do seu título deve
ser feito o complemento de depósito de emolumentos no valor de R$ 3.190,93, quando do atendimento de todas
as exigências e documentos acima indicados, ou seja, quando da reentrada do seu
título nessa serventia.
Observação: foi apresentado requerimento
de dúvida registral, porém, com informações relativas a nota de devolução
envolvendo também outra escritura de outro imóvel, motivo pelo qual, caso a
solicitação se refira a este título (escritura pública de doação lavrada
pelo 24º Tabelião de Notas de São Paulo, livro 3.174, fls. 139, referente a
matrícula sob nº 18.132 desta serventia (Lote 31 da Quadra 48 do Condomínio
Estância Marambaia), objeto desta prenotação, corrigir a solicitação onde
cabível, fazendo referência a esta escritura e este protocolo. Atentar que a
referida solicitação deve ser apresentada dentro do prazo de vigência desta
prenotação (04/07/2024).
Observação: consta ordem de
indisponibilidade em nome de Alberto Garcia Casamayor."
Após a manifestação de fls. 16/35, a
Oficial suscitou a Dúvida de fls. 01/06, que foi julgada procedente pela
sentença ora recorrida.
O recurso não comporta provimento.
Como mencionado, a escritura de doação do
imóvel tratado nos autos não foi levada a registro à época de sua lavratura
(1993), mas apenas em 2024, quando já averbada na matrícula do imóvel a morte
da doadora, Encarnacion Casamayor Elies de Garcia (AV.5 - fls. 166).
O primeiro óbice post pelo registrador, de
violação ao princípio da continuidade não se sustenta.
Não há dúvida que a escritura pública
de doação não foi levada oportunamente ao registro
imobiliário, de natureza constitutiva da transmissão da propriedade.
Não se discute, mais, que a morte acarreta
a abertura da sucessão, com a transmissão da herança, desde logo, aos
herdeiros, sendo o processo de inventário apenas o meio pelo qual se dá a
partilha dos bens, conforme dispõe o artigo 1.784 do Código Civil, consagrando o princípio
da saisine.
Sucede que a só averbação da morte da
doadora na matrícula do imóvel, por si só, não afeta o princípio da
continuidade. Isso porque o imóvel continua registrado em nome da doadora.
A continuidade não é violada com a só
notícia da morte da titular do domínio. Embora a propriedade se transmita ex
lege com a morte, por força do princípio da saisine, o que ingressará no
registro será o formal de partilha ou a carta de adjudicação conferindo o
imóvel a um dos herdeiros.
Disso decorre que, sob tal ângulo,
absolutamente nada impede o ingresso no registro imobiliário do contrato
de doação celebrado em vida pela autora da herança.
A propósito, ensina Afrânio de Carvalho:
“O princípio da continuidade, que se
apóia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel,
adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da
qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no
registro como seu titular. Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas
das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do
transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra
anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito,
acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada
um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subseqüente a ele se ligará
posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao
público" (Registro de Imóveis, 4ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.
253).
Está claro, pela lição acima, que a
continuidade nada mais é do que o encadeamento dos registros, não afetados pelo
fato jurídico da morte antes da partilha ingressar no fólio real.
Também não tem pertinência a exigência de
cancelamento das ordens de arresto e de penhora averbadas na matrícula do
imóvel ou, alternativamente, de apresentação de declaração de ciência a seu
respeito, subscrita pelo donatário.
A razão disso é simples e não exige maior
tirocínio.
As constrições efetivadas na matrícula do imóvel
referentes às averbações de nº 2 (arresto) e 6 (penhora) não impedem o ingresso
da escritura de doação no fólio real, já que eventual debate
sobre fraude contra credores ou à execução se daria na via judicial adequada,
além do que elas permaneceriam averbadas apesar do registro da doação .
Dizendo de outro modo, as constrições não
tem o efeito de indisponibilidade, mas tão somente sujeitam o imóvel à
satisfação de um crédito.
Um
único óbice impede o registro A averbação de nº 8, efetivada à vista da
arrecadação do imóvel nos autos de ação falimentar é incompatível com o
ingresso do contrato de doação no fólio real.
Embora o recorrente afirme que o
administrador da Massa Falida requereu a extinção da Falência (fls. 133),
apenas mediante ordem de cancelamento da indisponibilidade oriunda do juízo em
que determinada é que o óbice poderia ser afastado. Não se admite a revisão na
esfera administrativa, para o fim de cancelamento da ordem de
indisponibilidade, haja vista a impossibilidade da sobreposição do juízo
administrativo em relação ao jurisdicional.
Sobre as ordens de indisponibilidade, a
matéria é regulada pelo item 413, Capítulo XX, Tomo II, das Normas de Serviço
da Corregedoria Geral da Justiça, que dispõe:
"413. As indisponibilidades averbadas nos termos
do Provimento CG. 13/2012 e CNJ nº
39/2014 e na forma do § 1º, do art. 53, da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, não impedem a
inscrição de constrições judiciais, assim como não impedem o
registro da alienação judicial do imóvel."
Na hipótese vertente, não se está diante
de alienação judicial do imóvel, mas de doação, que configura ato voluntário de
disposição do bem, de sorte que a indisponibilidade impede o registro da
escritura pública de doação .
Destacam-se os seguintes precedentes em sentido semelhante:
"Registro de imóveis - Dúvida -
Carta de sentença extraída de ação de adjudicação compulsória -
Indisponibilidade judicialmente decretada sobre o patrimônio da vendedora -
Óbice existente ao tempo da prenotação - Irrelevância, neste caso, da data da
celebração do negócio jurídico - Inaplicabilidade, no caso, das regras que
permitem a inscrição de atos coativos - Compromisso de compra e venda que
configura alienação voluntária - Óbice mantido - Apelação a que se nega
provimento" (Apelação
Cível nº 1008790-78.2022.8.26.0100; CSM;
Relator: Desembargador Fernando Antônio Torres Garcia; Data do julgamento:
12/12/2022).
"Registro de imóveis. Procedimento de dúvida. Mandado
judicial para registro de transferência de imóvel. Indisponibilidade
judicialmente decretada sobre o patrimônio da vendedora. Óbice existente ao
tempo da prenotação. Irrelevância, no caso concreto da data da celebração
do negócio jurídico, em razão da ausência de expresso reconhecimento e
determinação judicial da precedência jurídica do negócio preliminar.
Inaplicabilidade das regras que permitem a inscrição de atos coativos. Negócio
jurídico que configura alienação voluntária. Fato gerador de ITBI. Óbice
mantido. Apelação a que se nega provimento" (Apelação Cível
nº 1006283-76.2024.8.26.0100; CSM; Relator:
Desembargador Francisco Loureiro; Data do julgamento: 25/07/2024.
Assim, é de rigor a manutenção da
procedência da dúvida, apesar de afastadas duas das exigências formuladas
pelo Oficial.
Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO
PROVIMENTO ao recurso.
FRANCISCO
LOUREIRO
Corregedor Geral
da Justiça Relator
Assinatura
Eletrônica
CSMSP - Apelação
Cível: 1002383-57.2024.8.26.0659
Localidade: Vinhedo Data de
Julgamento: 25/10/2024 Data DJ: 08/11/2024
Relator: Francisco Loureiro
Jurisprudência: Indefinido
Lei: LRP - Lei de Registros Públicos -
6.015/1973 ART: 250 INC: I
Lei: LRP - Lei de Registros Públicos
- 6.015/1973 ART: 259
Lei: CC2002 - Código Civil de 2002 -
10.406/2002 ART: 1.245
Lei: CC2002 - Código Civil de 2002 -
10.406/2002 ART: 1.784
Lei: LOSS - Lei Orgânica da
Seguridade Social - 8.212/1991 ART: 53 PAR: 1
Especialidades: Registro de Imóveis
Fonte: 26 Tabelionato de Notas